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Clara Gomes e Vanessa Gonçalves

Publicação Independente: escolha de jovens autores ou imposição do mercado editorial?

O mercado editorial tem sofrido diversas mudanças e inovações ao longo dos últimos 20 anos. Desde os anos 2000 vemos dispositivos de leitura digital serem inseridos na realidade do brasileiro, mas é em 2007, com o lançamento do primeiro Kindle por Jeff Bezos, que a leitura digital começou a ser ainda mais difundida. E, junto com ela, surgiu uma tendência onde usuários comuns começaram a publicar suas próprias histórias em redes sociais, blogs e plataformas próprias como o Wattpad. Com a chegada de novos meios para a publicação de histórias, muitos aspirantes a autores tiveram a oportunidade de realizar seu sonho: publicar um livro sem depender de editoras.


Por que a publicação independente cresceu?


De 2007 para cá vimos diversas livrarias fechando suas portas ao redor do Brasil, inclusive lojas gigantes da Saraiva e tradicionais como a Cultura. Com o aumento das publicações digitais, muito começou a se especular sobre o futuro do livro físico também, e o tempo gasto em leitura pelo brasileiro diminuiu cada vez mais segundo o Instituto Pró-Livro que estima que 4,6 milhões de pessoas deixaram de ler apenas entre os anos de 2015 à 2019, consequentemente diminuindo a quantidade de livros vendidos, e levando editoras como o Grupo Companhia das Letras a ficares sem 40% do que deveriam receber devido a crise das livras. Tais pontos levaram o mercado editorial a chegar ao ápice da crise em 2018.


Nesse cenário de crise, gigantes do Digital como a Amazon lançaram sua própria plataforma de publicação como o Kindle Direct Publishing cuja proposta fez crescer os olhos: publicar ebooks e livros com capa comum, sem pagar nada, com 70% dos royalties de vendas - editoras costumam repassar até 20% -, e ainda aparecer em todas as lojas Kindle do mundo. Segundo a gerente do KDP da Amazon, Talita Taliberti, dos 100 livros mais vendidos da plataforma, em torno de 30 costumam ser autopublicação.


Apesar da Amazon não revelar os números de quantos livros publica mensalmente ou anualmente, nem dados de faturamento com a publicação independente, sites como O Clube dos Autores que permitem publicar livros digitais e físicos, divulgam uma média de 40 obras publicadas por dia. Outras plataformas como a Bibliomundi, que também publica livros digitais relatou que em 2018, em plena crise do mercado editorial tradicional, dobrou o número de autores independentes em sua plataforma e publicou mais de 900 livros.


Com esses números em mente, buscamos conversar com autores que lançaram seus livros de forma independente para entender: publicar dessa forma é realmente uma escolha? A pirataria é um grande problema nesses casos? E, afinal, como os consumidores encontram esses livros sem a divulgação pesada da editora?


Custo alto e burocracia afastam jovens autores


Conversamos com dois autores jovens e independentes que têm o sonho de seguir carreira no mercado literário para essa reportagem, buscando entender mais sobre os desafios de adentrar nesse mundo. Gustavo Lazzarini, estudante de jornalismo da UFJF, que possui 20 anos e lançou seu primeiro livro digital em 2020 na Amazon, cujo nome foi Mares e Ilhas: em busca do tesouro perdido, contou que tinha um prazo para publicar pois estava buscando participar de um concurso, e chegou a entrar em contato com algumas editoras cuja proposta é ‘integrar novos escritores nas estantes da livraria’. Mas, as condições não foram favoráveis: “O custo é alto e a burocracia enorme, em pandemia ficou mais viável lançar digitalmente de forma independente. Como nesse primeiro momento de carreira tenho apenas o objetivo de ser lido e alcançar certo público, então o lançamento independente proporciona que eu determine um preço mais acessível e o disponibilize de forma grátis em um site que criei apenas para isso.“


Já para Marianna Ferrodri, 21 anos, sua situação foi um pouco diferente. Ela já estava com um livro físico pronto para ser publicado por uma editora quando veio a pandemia do Covid-19. A autora achou melhor esperar para publicar seu livro físico - intitulado Quem odeia despedidas - , mas não parou de produzir seus escritos, e então nasceu As formas de gelo estão vazias, uma zine sobre pensamentos durante o isolamento social, cujo objetivo foi colocar a arte como uma voz. Seu projeto foi desde o início publicar de forma independente sua coletânea de poemas: “Independente porque foi algo construído em conjunto com outros artistas: a Mayara Marques, responsável pela capa e diagramação, e Caio Macario, responsável pelas ilustrações. Gratuito, porque eu quis uma obra que veiculasse amplamente nas redes e divulgasse meu trabalho. E online, porque, pela situação da pandemia, era o mais viável.”


Hoje, o livro de ambos está disponível no Instagram - @mariannaferrodri e @gustavo.lazzarini - mas, ao que parece, os dois acertaram ao apostar na publicação digital. Segundo dados da Bookwire Brasil, os consumidores começaram a comprar mais produtos online e as vendas de ebooks chegaram a duplicar nos primeiros meses da quarentena.


A pandemia trouxe um respiro ao mercado editorial


Seguindo essa linha, ao contrário de diversos setores da economia que fecharam as portas e decaíram durante a pandemia, o mercado editorial foi na contramão e pode respirar depois de passar os últimos dois anos em forte crise. Durante o painel Mobieditorial, representantes de editoras afirmaram que 30% de todo o seu faturamento bruto veio de ebooks e audiobooks entre abril e junho de 2020. Também durante esse período, editoras como a Companhia das Letras aproveitaram a chance para fazerem lançamentos digitais.


Ainda, na Editora Record os números da pandemia foram tão bons que, segundo Roberta Machado, Vice Presidente do Grupo, eles aceleraram a conversão para o digital e construíram um estúdio próprio de gravação de audiobooks.


Mas, a sobrevivência do mercado literário ainda é algo que vem preocupando os jovens escritores, segundo Marianna: “Há um grande debate sobre a questão da falência das livrarias, crise da leitura e absorção do mercado de livros por grandes empresas, como a Amazon. Essas críticas se fazem presentes no meu cotidiano, tanto quanto autora, como quanto leitora. O mercado literário tem sido violentado.”


E, mesmo ganhando forças durante a pandemia, as editoras ‘tradicionais’ ainda vão precisar fazer mudanças para conseguir atrair novos autores. Segundo Gustavo, apesar de ter muita vontade de publicar um livro em uma editora, ele ainda vê isso como um grande desafio:“O mercado editorial ainda é muito truculento, principalmente para ingressar sem nenhum tipo de tráfego nas redes sociais. As editoras se comprometem em custear a produção apenas de escritores já renomados ou livros de pessoas que vieram da internet (como youtubers e tik tokers).”


Divulgação não é um grande problema


Um dos pontos que ainda fazia as editoras terem certa vantagem em relação a publicação independente dizia respeito à divulgação. Devido a essas editoras terem mais recursos, um maior número de fãs e notoriedade no mercado, ações de lançamento costumavam atrair a atenção de muito mais leitores.


Mas, com o expoente uso de dispositivos de leitura digital, e plataformas de assinatura como o Kindle Unlimited, isso não parece ser mais um problema tão grande. O motivo é que a própria Amazon divulga para seus leitores os livros publicados no Kindle Direct Publishing, e disponibiliza muitos de forma gratuita no seu serviço de assinatura. Ainda, quanto mais leitores leem e realizam suas avaliações no próprio aplicativo, mais a plataforma indica e divulga esses livros sem que os autores paguem nada.


O risco da pirataria


Com o alto preços dos livros, muitos dos leitores costumam adquirir a versão pirata de alguns títulos, segundo uma pesquisa realizada pelo Fato&Versão, jornal feito por estudantes de jornalismo da Unisul, através das redes sociais, 81,1% dos leitores têm o costume de piratear livros. Não é difícil encontrar sites que disponibilizam os arquivos pirateados, atualmente muitas pessoas costumam baixar livros através do aplicativo de mensagens Telegram ou até através do Google Drive.


Os autores independentes sabem que a pirataria acaba sendo uma maneira de democratização e uma forma mais acessível para o público geral que não tem condições financeiras para adquirir livros e manter um hábito de leitura. Muitos autores disponibilizam seus livros de forma gratuita durante um período de tempo limitado, e depois sempre colocam preços baixos. Mesmo assim, em uma rápida busca no Twitter já é possível encontrar diversos autores que tiveram seus livros pirateados e distribuídos, principalmente em alguns grupos do Telegram.


Michelle Miato, de 21 anos, é autora do livro “Prova de Amor” publicado inicialmente pela Amazon e depois pelo Clube de Autores, e explica que a situação é muito comum e para os autores é frustrante ter seu trabalho pirateado. "No Twitter podemos ver todos os dias algum autor sendo pirateado, e sempre falar como isso é errado se torna exaustivo, ainda mais por muitos autores usarem a renda dos livros para se sustentarem. Os autores independentes tem um trabalho redobrado para conseguirem ser visíveis aos leitores e também para arcar com todos os custos do livro, dessa forma, é desgastante e um desrespeito com todos. É claro que para falar de pirataria temos que levar muita coisa em conta, como o fato de muitas pessoas não terem acesso ou condições financeiras, entretanto, a maioria dos livros de autores independentes são menos de seis reais. Acredito que falta empatia e diálogo nesse meio." nos conta Michelle.


“Prova de Amor” foi pirateado em abril deste ano, e para a autora foi um choque descobrir seu livro em um lista de e-books disponíveis para download ilegal em um site. No caso dela, o prejuízo não foi tão grande, o site em que se encontrava seu livro era apenas uma fachada para distribuição de vírus de computador. "Por conta do site não ser confiável, muitas pessoas não teriam acesso ao arquivo e, de certa forma, isso é bom. Apesar da pirataria, isso não me afetou nas vendas, porque a maioria dos leitores sempre vão procurar primeiro nos sites confiáveis que o livro está publicado, na Amazon por exemplo." explica a autora.


Diferente de Michelle, para outros autores a pirataria traz bastante prejuízo, principalmente para aqueles que dependem da renda gerada pelas vendas. Por isso, em contramão da onda da pirataria, grande parte da comunidade de leitores presente nas redes sociais tem o costume de comprar os livros e de lutar contra a pirataria dos títulos. Uma das formas de luta é denunciando os canais que disponibilizam o download ilegal e também compartilhar o trabalho dos autores.


Balanço final: segurança das editoras e liberdade da publicação independente


Em conclusão, podemos dizer que a publicação independente muitas vezes não é a primeira opção dos autores, mas se faz necessário devido às condições impostas pelo mercado, e acaba por trazer muitos benefícios. Todavia, questões como a segurança de divulgação das editoras, além de proteção de direitos autorais, ainda podem pesar em autores jovens.


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