A partir de um anúncio colado em locais públicos, mulheres com mais de 18 anos que tinham histórias para contar foram convocadas a dar seus depoimentos. Dirigido por Eduardo Coutinho e detentor dos Prêmio APCA de Melhor Filme e Melhor Documentário e Melhor Diretor de Documentário no Prêmio Contigo, Jogo de Cena é um longa-metragem em que, de frente para as câmeras e de costas para um teatro vazio, algumas mulheres compartilham casos que transpassam a sexualidade, a maternidade, os relacionamentos, a liberdade, as angústias, o amor e até mesmo a morte.
Não bastasse toda a potência das histórias, o ponto alto do documentário é que, no entremeio das conversas, atrizes famosas como Fernanda Torres, Marília Pêra e Andrea Beltrão também contam casos que, entretanto, pertencem a outras mulheres que não elas mesmas. Digo ponto alto não por serem atrizes famosas, mas sim pela brincadeira com a realidade e a encenação, a partir da qual Coutinho deixa claro que não é necessário grandes enfeites ou cenários para ser genial, já que, com a mistura de personagens reais e atrizes, faz com que fiquemos entretidos e imaginando quem são as mulheres por trás das histórias ou se aquelas mulheres são atrizes ou as donas reais das narrativas.
A potencialidade do documentário chega quase a ser excitante, principalmente quando lançamos olhares para além das conversas e obviedades. É imprescindível que o telespectador se deixe ser levado não só pelas narrativas em si, mas também pelas expressões, movimentos, palavras e emoções de cada uma das personagens. Até mesmo os ganchos usados por Coutinho para ativar certas falas servem para extrapolar os limites entre atriz e personagem.
Além de nos puxar para dentro das vivências de cada uma das mulheres, o longa-metragem nos faz refletir sobre o trabalho das atrizes ao realizarem papéis de personagens reais mantendo fidelidade às histórias mesmo que contando-as de acordo com suas próprias palavras e trejeitos. É uma constante análise do quanto as atrizes conseguem absorver a expressividade das mulheres e o quanto são afetadas por elas, como quando Andrea Beltrão chora ao dizer uma das falas da personagem, lágrimas que a própria mulher que contou a história não chora.
É um daqueles documentários que fazem com que nos identifiquemos com as personagens e essa talvez seja uma das consequências do ponto de igualdade implícito entre todas elas, mesmo que Coutinho não tenha selecionado mulheres parecidas nem de rosto, nem corpo e nem de história. A única coisa em comum em todas as narrativas é o fato de serem vividas por mulheres brasileiras. Mulheres essas que, excluindo as diferenças de classe, sexualidade e raça, vivem o mesmo lugar nos mecanismos que fazem nossa sociedade funcionar.
Por fim, Jogo de Cena completa mais de dez anos desde seu lançamento, mas carrega narrativas e reflexões vivas e atemporais sobre a vida, o teatro e até mesmo sobre o lugar que ocupamos no mundo e na sociedade enquanto mulheres. Deixo de indicação para as interessadas pelo mundo do teatro ou dos documentários que, assim como eu, não conheciam essa grande obra documental e para atiçar, assista o trailer!
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