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Isabela Carpinski

Jogo de Cena: uma linha tênue entre o real e a encenação




A partir de um anúncio colado em locais públicos, mulheres com mais de 18 anos que tinham histórias para contar foram convocadas a dar seus depoimentos. Dirigido por Eduardo Coutinho e detentor dos Prêmio APCA de Melhor Filme e Melhor Documentário e Melhor Diretor de Documentário no Prêmio Contigo, Jogo de Cena é um longa-metragem em que, de frente para as câmeras e de costas para um teatro vazio, algumas mulheres compartilham casos que transpassam a sexualidade, a maternidade, os relacionamentos, a liberdade, as angústias, o amor e até mesmo a morte.


Não bastasse toda a potência das histórias, o ponto alto do documentário é que, no entremeio das conversas, atrizes famosas como Fernanda Torres, Marília Pêra e Andrea Beltrão também contam casos que, entretanto, pertencem a outras mulheres que não elas mesmas. Digo ponto alto não por serem atrizes famosas, mas sim pela brincadeira com a realidade e a encenação, a partir da qual Coutinho deixa claro que não é necessário grandes enfeites ou cenários para ser genial, já que, com a mistura de personagens reais e atrizes, faz com que fiquemos entretidos e imaginando quem são as mulheres por trás das histórias ou se aquelas mulheres são atrizes ou as donas reais das narrativas.

Fernanda Torres em Jogo de Cena (2007)

A potencialidade do documentário chega quase a ser excitante, principalmente quando lançamos olhares para além das conversas e obviedades. É imprescindível que o telespectador se deixe ser levado não só pelas narrativas em si, mas também pelas expressões, movimentos, palavras e emoções de cada uma das personagens. Até mesmo os ganchos usados por Coutinho para ativar certas falas servem para extrapolar os limites entre atriz e personagem.


Andrea Beltrão em Jogo de Cena (2007)

Além de nos puxar para dentro das vivências de cada uma das mulheres, o longa-metragem nos faz refletir sobre o trabalho das atrizes ao realizarem papéis de personagens reais mantendo fidelidade às histórias mesmo que contando-as de acordo com suas próprias palavras e trejeitos. É uma constante análise do quanto as atrizes conseguem absorver a expressividade das mulheres e o quanto são afetadas por elas, como quando Andrea Beltrão chora ao dizer uma das falas da personagem, lágrimas que a própria mulher que contou a história não chora.



É um daqueles documentários que fazem com que nos identifiquemos com as personagens e essa talvez seja uma das consequências do ponto de igualdade implícito entre todas elas, mesmo que Coutinho não tenha selecionado mulheres parecidas nem de rosto, nem corpo e nem de história. A única coisa em comum em todas as narrativas é o fato de serem vividas por mulheres brasileiras. Mulheres essas que, excluindo as diferenças de classe, sexualidade e raça, vivem o mesmo lugar nos mecanismos que fazem nossa sociedade funcionar.

Imagens de Jogo de Cena (2007)

Por fim, Jogo de Cena completa mais de dez anos desde seu lançamento, mas carrega narrativas e reflexões vivas e atemporais sobre a vida, o teatro e até mesmo sobre o lugar que ocupamos no mundo e na sociedade enquanto mulheres. Deixo de indicação para as interessadas pelo mundo do teatro ou dos documentários que, assim como eu, não conheciam essa grande obra documental e para atiçar, assista o trailer!

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