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Caio Silva

EU ME IMPORTO: Marlas existem na vida real?

Disponível na Netflix desde a última sexta-feira, 19, “Eu Me Importo”, filme dirigido por J. Blakeson, conta a história de Marla Grayson ─ uma golpista que, agindo como guardiã legal do governo, aborda idosos incapazes e os interna de maneira planejada em casas de repouso. Com suas vítimas isoladas, Marla (interpretada por Rosamund Pike) faz sua fortuna tomando o controle de suas posses e bens materiais. Tudo corre bem e sem suspeitas até que ela decide investir contra Jennifer Peterson, uma mulher não tão inocente quanto parece.


Em suas duas horas de duração, a obra passeia por diversos gêneros enquanto as engenhosidades de Grayson e as ambições de seus golpes guiam a narrativa pelo suspense, comédia e ação. A trama consegue deixar o espectador conflitante em seus próprios julgamentos: é bem provável que suas percepções a respeito dos personagens mudem várias vezes durante o filme.


Embora as opiniões sobre “Eu Me Importo” sejam bem variadas, é bem provável que o espectador termine de assistí-lo com uma dúvida em mente: o quanto dessa história é real?

É BASEADO EM FATOS REAIS?


A pergunta mais certeira seria, na verdade, com que frequência esses casos ocorrem na vida real. Em entrevista ao site norte-americano “StyleCaster”, o diretor afirmou que, infelizmente, muito do que foi reproduzido no filme acontece bem mais do que se imagina na não-ficção. Nos Estados Unidos, existem vários do que ele chamou de “guardiões predadores”: profissionais que caçam idosos vulneráveis e passam a controlar suas vidas.


Embora Blakeson não tenha revelado se buscou inspiração de algum caso em específico, muitas semelhanças podem ser notadas entre a obra e a história real de uma guardiã norte-americana chamada April Parks. Com a posse de um documento que lhe permitia comparecer à corte judicial sem notificar suas vítimas, April mantinha de 50 a 100 idosos sob seu controle de curatela. Assim como no filme, a mulher trabalhava em conjunto com médicos e juízes, usando de diagnósticos duvidosos de demência e outras doenças para manipular medicações e assim controlar as posses de seus clientes.


As vítimas mais famosas de April foram o casal Rudy e Rennie North, moradores de Nevada, nos Estados Unidos. Casados por 57 anos, o casal foi surpreendido com a chegada da guardiã em sua casa no ano de 2013 e a consequente obrigação de se mudarem para uma casa de repouso. April assinou, sem consentimento, um documento que a tornava guardiã legal do casal, convencendo o juiz com uma carta que dizia que Rudy e Rennie não estavam mais em condições de viverem por conta própria.


April Parks recebeu pena de 16 a 60 anos de cadeia e, em 2019, pagou mais de $500.000 como restituição ─ um desfecho mais realista que o da ficção.


ENTÃO PODE MESMO ACONTECER?


Sim! Nos Estados Unidos, existem várias razões para que se determine que um idoso tenha se tornado incapaz de cuidar de si mesmo: julgamento comprometido, incapacidade de se lembrar de tomar medicamentos, impossibilidade de realizar higiene pessoal e alimentação própria, entre outros. Nesse caso, o próprio juiz designa um guardião legal, sendo que a maioria dessas pessoas é escolhida entre os próprios membros da família.


Possuir guarda total sobre alguém significa estar em controle de basicamente todos os direitos dessa pessoa. Um guardião pode designar onde seu interditando vive, o que ele come, qual sua dieta médica e tratamento, quem pode visitá-lo e suas finanças. Com essa decisão tomada, é praticamente impossível cancelar o poder de um guardião sem uma extensa e burocrática batalha judicial.

E NO BRASIL?


O Cena Seguinte conversou com Emiliana Silva, graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, para entender um pouco mais sobre como esse sistema funciona no Brasil.


CS: Pra começar, qual o significado de ‘processo de curatela’ no Brasil?


Emiliana: A interdição por curatela, no Brasil, é um processo judicial com o objetivo de proteger um idoso (chamado de ‘interditando’) que não possua condições de zelar por si próprio e/ou de administrar seu patrimônio. Ele se torna, assim, incapacitado para a vida civil, e essa incapacidade pode advir de doenças como demência senil, mal de Alzheimer, entre outras. É obrigação inicial da curatela a proteção e o respeito à condição de saúde do idoso.


CS: Quem pode realizar essa interdição?


Emiliana: A interdição pode ser realizada por aqueles descritos no ordenamento jurídico como “legitimados a fazê-lo”, isto é: cônjuges ou companheiros, demais parentes, tutor, representante da entidade em que se encontra abrigado o idoso ou pelo Ministério Público. Nessa escolha, devem ser priorizadas as relações de parentesco.


CS: E quais são os limites da curatela? Até onde ela interfere na vida do idoso?


Emiliana: A curatela pode afetar apenas os atos relacionados à natureza patrimonial ou negocial. Dessa forma, ela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.


CS: Algum órgão ou entidade pública supervisiona esse processo?


Emiliana: Sim. Toda a ação de interdição tem a participação do Ministério Público como fiscal da lei, visando efetivar a proteção do idoso da forma mais abrangente possível. De igual modo, aquele que promove a interdição deve especificar os fatos e juntar as provas do que está alegando, através, por exemplo, de um relatório médico que comprove as condições do interditando.


CS: Caso haja suspeita de comportamento inadequado durante a curatela, quais atitudes podem ser tomadas?


Emiliana: Caso seja verificado alguma movimentação ou comportamento suspeito na interdição, sugere-se a atuação da Promotoria de Justiça. Ela pode revisar os limites da curatela, substituir o curador ou até exigir prestações de contas anuais ao Juízo, visando resguardar os direitos do idosos incapaz.


Além disso, para prevenir ou apurar possíveis ameaças e violações aos direitos do idoso, pode-se fazer necessária a instauração de um inquérito policial e de procedimento administrativo para verificar a situação de risco, havendo a possibilidade da aplicação de uma medida de proteção ao idoso.


GOLPES SIMILARES


D.H., fonte que optou por se manter anônima, foi uma das várias vítimas de golpes de estelionato no Brasil durante os últimos meses.


Com 74 anos de idade, ela relata ter recebido via SMS uma mensagem informando que seu telefone em breve ficaria indisponível e um link. Ao clicar, D.H. foi direcionada para uma página falsa que simulava o site da Caixa Econômica Federal. Ali, ela preencheu seus dados bancários e, sem saber, ofereceu aos golpistas todas as informações que precisavam.


D.H. só foi perceber o que tinha acontecido quando começou a receber alertas em seu celular sobre transações que não estava fazendo. Ao analisar sua atividade bancária nas últimas semanas, notou que sua conta tinha sido invadida e que perdera cerca de R$900. Como todos os processos tinham sido realizados de forma “legal”, já que a conta fora acessada com sua própria senha, D.H. não conseguiu recuperar a quantia perdida.

O caso de D.H. está longe de ser uma situação isolada. Segundo uma pesquisa da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), desde o início da quarentena, em março de 2020, houve um aumento de 60% em tentativas de golpes de cunho financeiro contra pessoas idosas. Dessas fraudes, 70% delas estão voltadas para tentativas de estelionatários de obter códigos e senhas privadas.


Assim, com o objetivo de combater o aumento dessas fraudes, a instituição ─ com o apoio da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa e do Banco Central ─ pretende lançar uma campanha que informe sobre essas tentativas de golpes. Com a divulgação de medidas de proteção e enfrentamento, o objetivo é trazer essas questões à luz do conhecimento público.


A Febraban trabalhará na criação de regras específicas para o público idoso, mais suscetível a cair em golpes eletrônicos. Entrando em vigor em 2021, essa conscientização trabalhará de duas maneiras diferentes: ao público externo (os próprios idosos), serão oferecidos alertas para que não caiam tão facilmente em situações de risco. Já na parte interna, os funcionários passarão por um treinamento para que saibam como se comunicar melhor com pessoas mais velhas e auxiliá-los com questões de internet e redes sociais.


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