Dentre as tantas coisas que chamam atenção todo ano no Festival de Cinema de Cannes, a edição de 2021 acendeu um debate que muitos não imaginavam: o envelhecimento e a pressão estética que o cerca. Atrizes renomadas como Andie Macdowell, Helen Mirren e Jodie Foster desfilaram deslumbrantes com seus aparentes fios de cabelo grisalho pelo tapete vermelho e causaram desconforto no público.
Além do evento, a estreia da nova série de Sex and the City , “And Just Like That”, uma continuação rápida feita pela HBO Max, trouxe as mesmas atrizes interpretando as mesmas personagens da primeira etapa da produção e, obviamente, mais de 20 anos após o último episódio, elas envelheceram! Sarah Jessica Parker, Cynthia Nixon e Kristin Davis, que interpretam o trio de amigas Carrie, Miranda e Charlotte, estão esbanjando rugas e cabelos brancos nessa temporada. Mas teve quem assistiu e não gostou muito da aparência das atrizes, gerando comparações que foram feitas nas redes sociais em enquetes que perguntavam qual delas envelheceu “melhor”.
Porque o envelhecimento, em sua forma natural, incomoda tanto? Até que ponto a tentativa de manter uma aparência jovem, tingindo o cabelo e aplicando botox, faz ser mais bonita?
Festival de Cannes 2021/ Reencontro do elenco da série ´´Sex and the city´´.
No Brasil, mais da metade da população é formada por mulheres de 35 anos ou mais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a longevidade feminina é 7 anos acima da dos homens, o que faz com que a quantidade de mulheres envelhecendo seja bem superior. Então mesmo sendo maioria numérica, por que ainda somos minoria social?
O preconceito contra o envelhecimento feminino é mais um reflexo da sociedade em que vivemos que cobra comportamentos da mulher a vida toda. A cobrança por uma eterna juventude e a pressão por intervenções estéticas que trazem de volta a aparência jovem é cada vez mais expressiva, o que nos leva de volta a questão cultural: a nossa cultura sempre valorizou as mulheres pela forma física, enquanto os homens sempre foram exaltados pelo trabalho, produtividade e status. Portanto, o envelhecer muitas vezes é visto como um processo social e não biológico. Até nesse cenário a questão da desigualdade entre os gêneros se faz presente.
A construção de uma imagem negativa dessa etapa da vida por parte da mídia também é outro ponto a ser salientado. O uso do humor e de imagens caricatas na publicidade e a preferência por mulheres mais novas à frente de programas e bancadas de jornais colaborou por muito tempo com essa visão.
Os obstáculos para se sentir bonita na maturidade são muitos. Soraya Terra, administradora de eventos em Juiz de Fora, tem 47 anos e passa pela transição capilar para o cabelo grisalho compartilhando suas experiências em seu perfil no Instagram (@sorayaterra). Para ela, é preciso ter personalidade forte e ser uma pessoa decidida para enfrentar a mudança e as críticas que vem junto a ela: “muitas pessoas pensam que é desmazelo, que a pessoa não quer se cuidar, pensam que está desgostosa”, explicou. “Se você não estiver preparada e se você se preocupa com a opinião dos outros, você não vai conseguir”.
Durante a pandemia, muitos artistas e pessoas com alcance começaram a compartilhar esse processo e, segundo Soraya, isso ajudou a gerar uma aceitação maior, apesar do preconceito ainda ser forte: “essa representatividade é super positiva, ajuda as pessoas a pelo menos pensar que elas são lindas e que não é uma ruga ou um cabelo branco que vai fazer com que elas deixem de ser”.
Dentre as influências presentes na internet, Ana Fonte, 36 anos, é uma das centenas de produtoras de conteúdo para o Instagram (@anafontegris) voltada totalmente para o empoderamento de mulheres que estão passando pelo embranquecimento dos fios. Desde fevereiro de 2020 ela compartilha sua transição e hoje já conta com mais de 33 mil seguidores.
Apelidadas carinhosamente de Grismores, as seguidoras da Ana veem nela um incentivo a mais para passar pelo processo mesmo estando antes dos 40 anos. Em um de seus destaques no Instagram, ela compartilha as fotos dessas mulheres e fala sobre a necessidade de cada uma escolher ser feliz como é, independente da pressão dos padrões de beleza.
Muitas são as mulheres que estão na linha de frente para ajudar as demais a conquistarem a beleza do amadurecimento natural. “As histórias vividas e as marcas da passagem do tempo não podem ser sinônimo de falta de vaidade. Assumir suas linhas de expressão e seus fios grisalhos é sinal de um bom relacionamento consigo mesma”, concluiu Soraya. Aceitar os cabelos brancos vai muito além da estética: é liberdade, auto aceitação e empoderamento. É sinônimo de coragem e orgulho acolher o que faz parte da natureza, livre de amarras e preconceitos da sociedade.
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