Não é de hoje que muitos brasileiros buscam uma maior autonomia empregatícia e associam isso ao desejo de abrir seu próprio negócio. O empreendedorismo, então, aparece aliado ao discurso - tão vendido - de alcançar a famigerada “liberdade financeira”. Quando essa realidade diz respeito, estritamente, às mulheres no mercado de trabalho ao qual elas foram, por tanto tempo, cerceadas de terem participação ativa, torna-se ainda mais emblemático. E o discurso do feminismo liberal não dá conta de sustentar seus equívocos.
Segundo o dicionário online Significados, empreendedor é o indivíduo que sabe identificar as oportunidades e transformá-las em uma organização lucrativa. É aquele que não espera, e sim faz as coisas acontecerem. Os sites sobre o tema tem belos discursos sobre como todos são capazes de crescer por meio do próprio esforço. “Podemos fazer o que quisermos, basta ter força de vontade”. Então somos agraciados com uma bela história de superação de uma pessoa que não tinha nada e agora é dona do próprio negócio, que não para de crescer. Tudo que bastou foi uma boa ideia e muito esforço. E talvez um pouco de sorte.
Boas ideias todo mundo tem, em algum momento da vida. E não dá pra ser pessimista a ponto de pensar que falta esforço por aí. Pelo menos por parte da população ele não falta. Mas por que então o sucesso não chega pra todo mundo? Tim Maia nos diria, sabiamente, que um nasce para sofrer, enquanto o outro ri. E esse é o grande retrato da nossa sociedade. É preciso compreender, porém, que ter um sonho azul da cor do mar não basta em um mundo em que muitos não podem nem mesmo colocar os pés na areia.
A entrada das mulheres no mercado de trabalho constituiu-se como uma vitória para o feminismo em todo o ocidente. A família e o lar, porém, continuaram lá, como responsabilidade exclusiva dessas mulheres. Muito antes, mulheres pretas já eram praticamente obrigadas a viver nessa dupla jornada. Em um artigo sobre empreendedorismo feminino o Sebrae afirma que: “É óbvio que o sucesso para os negócios independe de gênero, mas também é fato que algumas características são próprias das mulheres e que tornam o empreendedorismo gerido por elas muito mais eficiente.”
O sociólogo Stuart Hall já previa um fluxo pós-moderno marcado pelas identidades por vezes contraditórias. A romantização do empreendedorismo feminino assume o lugar de conivência com o individualismo, tão distante da pauta coletiva de onde se despontou. A problemática do empreendedorismo que a mídia não coloca em evidência, seja por desdém, seja para não constranger o ideário do “Yes, you can!”, que a ela não interessa desestabilizar, esconde a premissa inevitável das limitações.
O que leva muitas pessoas a recorrerem à abertura do próprio negócio vai além da vontade de gerir a si. Fatores como a falta de emprego, meios de completar a renda mínima e a ideologia meritocrática também estão presentes. Para o mercado de trabalho isso muitas vezes culmina, ainda mais, na precarização de direitos e serviços. O empreendedorismo feminino está associado a jornadas múltiplas de trabalho, e sem recorte racial e econômico, o discurso beira à superficialidade.
Fica claro que buscar uma carreira de sucesso e estabilidade financeira não é o problema em questão. Essa é a meta de grande parte da população. O que está em jogo aqui é a maneira como isso é vendido. É verdade que há muito tempo o capitalismo tem desenvolvido uma artimanha um tanto quanto eficaz para sua retroalimentação: ao se apropriar das agendas sociais de grupos minoritários ele aumenta seu mercado consumidor e transforma as identidades em um produto rentável. Além disso, abre espaço para a estética da conquista, onde as bandeiras podem ocupar posições de destaque desde que supostamente mereçam.
Comments