Quais são as perspectivas para as manifestações artísticas no momento posterior à Covid-19?
Estimular a consciência, ressignificar o mundo e transformar a realidade. Muito além de um simples encontro estético e de embelezamento, a arte tornou-se resistência e fez renascer a esperança, diante de um momento tão atípico como a Pandemia da Covid-19. Desde nossos sentimentos mais íntimos até formas de percepção do que está à nossa volta É indubitável que, de maneira significativa, nossas relações e formas de enxergar a existência das coisas foram drasticamente alterados pela pandemia. Mas, para que possamos prospectar o futuro, é preciso olhar para o passado e entender de que maneira, ao longo da história, como a arte se fez presente em outras pandemias como a Gripe Espanhola, por exemplo, e como ela alterou as diretrizes da sociedade daquele tempo.
Com um saldo de aproximadamente 50 milhões de mortos, a gripe espanhola se alastrou pelo mundo na primeira metade do século XX . Causada pelo vírus influenza, não há conhecimento de seu real local de origem, mas estudiosos afirmam que os primeiros casos dos quais se tem comprovação aconteceram nos Estados Unidos e foram registrados no Fort Riley, base militar situada no estado do Kansas. A doença espalhou-se pelo mundo, principalmente, por conta da movimentação de tropas no período da Primeira Guerra Mundial afetando significativamente os países envolvidos no conflito armado. Aqui no Brasil, ela chegou em setembro de 1918, espalhando-se por todas as regiões do país e causando a morte de 35 mil brasileiros.
Segundo Aripuanã Watanabe, professor adjunto no departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o vírus influenza que ocasionou a Gripe Espanhola foi a maior pandemia causada por vírus que a humanidade já presenciou, além dos grandes impactos econômicos e sociais causados à população da época. “Estima-se também que 40% da população no mundo se infectou com o vírus que causou aquela pandemia. Então, foi a maior pandemia causada por vírus que a gente conhece. Após essa Pandemia de 1918, vieram outras causadas por influenza, inclusive a última que conhecemos, que é o H1N1 de 2009. Então é um vírus que, historicamente e virologicamente, está associado como causador de pandemias. Essa Pandemia do coronavírus é um outro tipo de vírus. É um vírus que causa doença respiratória também, como o vírus da gripe, mas é um outro tipo de vírus. Nunca havia acontecido uma Pandemia pelo coronavírus, é a primeira vez.”, ressalta.
Além disso, Watanabe reforça também o potencial de mutação do vírus influenza e seus mecanismos de atuação distintos da Covid-19. “Especialistas específicos que sempre estudaram o coronavírus falavam ou até prediziam que o coronavírus era um bom candidato para ser um vírus pandêmico, por diversas características. Foram mecanismos diferentes virologicamente que geraram esses vírus. O vírus influenza tem uma taxa de mutação muito alta e mecanismos diferentes de mutação comparado ao coronavírus. Porém, outra similaridade entre as duas coisas é que, tanto as pandemias causadas pelo influenza como as pandemias de Corona provavelmente começaram com animais. É o chamado spill over ou o salto de espécies. Então, esses dois vírus pularam de um animal para o ser humano. Em 1918, sabemos que foi um vírus aviário. O H1N1 também é como o de 2009, só que aviário que pulou para o ser humano e, a partir daí, deu início à Pandemia.”, informa Aripuanã.
Do expressionismo trágico de Edvard Munch ao ludismo de Salvador Dalí: a arte como forma de resistência
Surrealismo, Dadaísmo, Expressionismo, Futurismo e Cubismo estão entre os principais movimentos que influenciaram não apenas a literatura, mas as artes em geral. Conhecidos como vanguardas europeias, essas manifestações artísticas ocorreram em diversos locais da Europa, a partir do início do século XX. Naquele momento, com a ascensão da Revolução Industrial no século XIX e da Primeira Guerra Mundial no início do século XX, a sociedade europeia passava por avanços tecnológicos, progressos industriais, descobertas científicas, dentre outros. Diante disso, a arte demostrou a necessidade de romper com paradigmas pré-estabelecidos e trazer novas formas estéticas e de fruição artística, pautadas na realidade vigente. Através da ironia e da capacidade de “chocar” o público, os movimentos artísticos europeus surgidos no fervor dos ideais da época foram antagônicos aos ideais da guerra. Do expressionismo trágico de Edvard Munch ao ludismo de Salvador Dalí, a arte daquele tempo exortava uma nova era, tornando-se questionadora da tradição.
As vanguardas artísticas ultrapassaram o limite até então encontrado nas artes, propondo assim, novas formas de atuação estética ao questionar os padrões impostos. No Brasil, elas influenciaram diretamente o movimento modernista, que teve início com a Semana de Arte Moderna de 1922. Artistas, músicos e outros expoentes propunham uma ressignificação daquilo que entendia por arte até então. Influenciado por correntes antiacadêmicas e empenhados na estruturação de uma nova consciência criativa brasileira, preconizavam uma arte genuinamente nacional. Vale salientar que, mesmo com a crise econômica gerada pela quebra da bolsa de valores em Nova Iorque, em 1929, e com as revoltas desencadeadas pelos tenentistas, numa tentativa de reestruturar o país politicamente (em especial no campo das artes), encontra-se essa exortação de rompimento com o tradicionalismo.
Segundo a professora de história e doutoranda pela Universidade Federal de Juiz de Fora Giovana Castro, há uma falsa simetria em que a gente compare o pós-pandemia com o contexto pós-guerra. "Essa perspectiva de uma Europa produtora, como paradigma da produção de arte, tem uma centralidade e um pedantismo, que leva a questionar o impacto da produção artística que a Primeira Guerra Mundial traz. Como se a arte estivesse vinculada ao contexto europeu, ainda que ecos disso tenham chegado ao Brasil a partir da Semana de 22, um movimento que já foi profundamente criticado, reinventado e repensado como cópia, como possibilidade de lidar com nosso luso-tropicalismo, acusado futuramente de embasar as defesas da mestiçagem nacional. Enfim, a gente tem aí uma perspectiva de pensar como que se dá a recepção e a ressignificação desse processo de impacto na arte, em um país que sofreu uma colonização cultural, física, geográfica muito intensa, não diretamente de suas ex-colônias, mas vinculado à essa ideia do padrão europeu de consumo e de arte. A pandemia que nós vivemos hoje, ela tem uma característica distinta de qualquer outro tipo de crise sanitária que o mundo tem enfrentado. Ainda que ela seja comparada com a gripe espanhola e, em algumas dimensões, com a própria peste bulbônica do século XIV e que põe fim a Idade Média, que leva a toda uma ressignificação das artes que desemboca no Renascimento, a crise que vivemos hoje é uma crise que não tem fronteiras geográficas e talvez por isso a característica dela de ser ímpar, quando comparada à outros eventos de catástrofes de dimensões similares, mas não idênticas.”, afirma.
Artistas que se reinventaram na Pandemia
Durante o período pandêmico, um dos segmentos artísticos que se readequou foi o teatro. Pedro Emerenciano é estudante do terceiro período de Jornalismo na UFJF e integrante da CIA Eita, companhia de teatro originada do Programa Gente em Primeiro Lugar da FUNALFA. Ele nos conta como tem sido a rotina de ensaios e apresentações durante o período pandêmico. “Com a Pandemia, como tudo chegou muito de repente, acabou que atrapalhou os nossos planos e a gente teve que se readequar à realidade, tendo que fazer atividades remotamente como é na faculdade. Só que, ao mesmo tempo, as oportunidades que tínhamos não são mais as mesmas porque, hoje, a gente tem essa dificuldade de não poder encontrar e estamos estudando muito essa plataforma do teatro online sem poder encontrar. Então, no geral, a gente teve que readequar, não é a mesma coisa. Alguns até desanimaram, deram uma afastada.", conta.
Além disso, Pedro nos conta se, com o fim da pandemia, a arte reordenará o surgimento de um novo ser humano. “Sim. E não só o ser humano espectador, mas também o ser humano artista, porque tínhamos uma visão muito nichada de arte. Por exemplo, eu sou do teatro há anos e não tinha experiência nenhuma. Então, tive que mudar minha percepção, não só da arte como do teatro, dentro e fora dos palcos. E eu acredito que isso se encaixa em qualquer outro ramo da arte, mas principalmente nesses que demandam você ter um encontro com outras pessoas, tivemos que mudar essa percepção da arte que fazemos, no caso o teatro.”
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